Sunday, November 19, 2006

Resumo da apresentação do dia 11/12
“A Síndrome de Down: das páginas da vida para a realidade”

por Lília Maria de Azevedo Moreira do Instituto de Biologia da UFBa


Partindo de uma análise histórica, fundamentada em registros artísticos e numerosos documentos produzidos pela biomedicina, desde o relato inicial da Síndrome de Down em 1866, o objetivo desta reflexão, é discutir a experiência humana de mudança de paradigmas, ao longo do tempo e, mais recentemente, com uma exposição maior desta síndrome à mídia televisiva.
Quando John Langdon Down descreveu a síndrome, cunhou a metáfora “mongolismo”, seguindo a visão etnocentrista européia da época, atribuindo à condição, um aspecto degenerativo, sem expectativas, nem esperanças. Mesmo Tredgold (1908) que foi o precursor na difusão do tratamento e assistência a crianças com deficiência, considerava a Síndrome de Down uma “morbidade hereditária”, defendendo métodos eugênicos para a sua prevenção.
Após a II Guerra, o espírito democrático, aliado aos avanços científicos e ao desenvolvimento das ciências do comportamento, produziu um novo enfoque, com a valorização da educação especial e a necessidade de intervenções terapêuticas. Até a primeira metade do século passado, a produção científica chamava atenção para as características físicas, semióticas, denominadas cardeais quando presentes em mais de 50% dos casos.A preocupação maior era, com o grau de deficiência mental, que se supunha estar associado com a presença de maior número de sinais cardeais, suposição não comprovada. O estudo de Lejeune em 1959 centrou a discussão etiológica na genética. Ainda hoje predomina como ponto prioritário a visão orgânica da síndrome, também denominada de “Trissomia 21” e, segundo Maria Helena Cardoso (2003), o cromossomo adicional é metaforizado no “acidente genético”, determinando uma condição materializada em problemas no desenvolvimento físico e funcionamento mental.A autora observa que a elucidação da etiologia da síndrome deu significância à existência do terceiro cromossomo 21, tornando-o um ator na narrativa da Síndrome de Down.
Embora os sinais físicos sejam bastante elucidativos, o cariótipo é considerado essencial ao diagnóstico, compondo um código do distúrbio genético, necessário à sua compreensão. As relações na família são diversificadas, da aceitação ao repúdio. A metáfora da “cruz da minha vida” é atualmente sobrepujada pela figura inocente, angelical. Maria Helena Cardoso (2003) analisa a imagem de “anjo”, na suposta representação de crianças com a síndrome em pinturas clássicas, que indicam a construção social da criança com síndrome de Down, apresentada como cordata, afetuosa, meiga e profundamente humanitária. A autora propõe ser a metáfora do “anjo”, uma metáfora de defesa e de compensação para o sofrimento sentido, que torna os pais também especiais, por terem essa criança.
No Brasil, as estimativas do IBGE (Censo 2000) referem existir cerca de 300 mil pessoas com a Síndrome de Down, com incidência de um a cada 600 nascimentos. É verificada uma maior prevalência em gestações acima dos 35 anos, embora a taxa de reprodução de mulheres nesta faixa etária esteja em declínio. O aumento da expectativa de vida acompanha as estatísticas mundiais, mas na questão da inclusão social permanecem os contrastes. É ainda grande a quantidade de crianças com Síndrome de Down não estimuladas, sem fonoterapia, tratamento essencial à qualidade da fala, situações associadas à dificuldade de aceitação da criança pela família e ao baixo nível sócio-econômico. Ao mesmo tempo, não são mais tão raros os exemplos de empregos bem sucedidos e de casamentos entre pessoas com a Síndrome de Down.
Permanece como um ponto de questionamento, o papel educativo da exposição pelos meios de comunicação de uma condição genèticamente determinada como a Síndrome de Down, em uma narrativa de ficção, e a sua contribuição para a modificação de atitudes na população, que se faz necessária para o abandono do modelo assistencialista e o êxito do projeto social de inclusão, não apenas de pessoas com esta síndrome, mas também com outras formas de distúrbios genéticos e deficiências. Mesmo que algumas representações dêem margem a dúvidas, é inegável a contribuição desta exposição para o aumento da auto-estima de pessoas com a síndrome de Down, para a democratização da ciência e para o reconhecimento público das dificuldades enfrentadas pelas pessoas com distúrbios genéticos e as suas famílias.

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