“Cosmovisões indígenas: novos olhares sobre a natureza e a cultura”
Por Fábio Pedro de Souza Ferreira Bandeira do Departamento de Biologia da UEFS
A oposição entre natureza e cultura é fundadora de uma tradição intelectual que marca profundamente o pensamento moderno, já nos indicava o historiador Keith Thomas em seu livro “O homem e o mundo natural”. Ela alimenta o chamado “mito da natureza intocada” que alicerça o paradigma dominante da corrente mais ortodoxa da biologia da conservação, aquele que rejeita um modelo de preservação onde a sociedade esteja incluída como um dos elementos dos ecossistemas.
O pensamento moderno trata a natureza separada da cultura e designa prioridade ontológica para a primeira. Para Peter Dwyer, antropólogo australiano, isto é análogo à separação do organismo do ambiente que caracteriza a biologia. A verdade pode ser que a idéia de selvagem, que supõe o último refúgio da natureza, não é mais do que uma tentativa de representar um lugar imaginário como um símbolo concreto. Segundo Dwyer, ´Natureza´ como conhecem os ocidentais é uma invenção, um artefato. Para ele, prova disso é que se por um lado natureza e cultura são opostas como categorias discretas, por outro, elas aparecem como momentos num continuum que pode ser de desenvolvimento ou evolutivo. O paradoxo é bem conhecido; ele se refere à tensão entre produto e processo, entre entidade e relação. Não haveria outras possibilidades epistemológicas? A mente “selvagem” nos convida a essa reflexão.
Nessa palestra vamos explorar, tangencialmente, o esboço do que poderia ser a cosmovisão de um povo indígena da caatinga, os Pankararé, com quem aprendemos a ver o Raso da Catarina com outros olhares; não como um ambiente inóspito, de paisagem monótona e morfologia plana, mas como um lugar povoado de nomes, seres encantados, habitado por signos e seres diversos, monumentos; não uma natureza intocada mas transformada e totalmente mapeada. Ai se forja uma etnicidade, uma diferenciação dos não-índios, sertanejos bem parecidos com eles nas roupas, nos rostos, no modo de produção, nos costumes alimentares; isto porque no pensamento Pankararé não há cultura sem natureza nem natureza sem cultura, não há uma linha divisória definida, ai talvez esteja a diferenciação, a construção de sua própria identidade.
Como veremos, as cosmovisões indígenas não trazem em seu bojo esta antinomia, natureza/cultura. Elas lançam outros olhares, como bem exemplificam os Pankararé, e com isso estabelecem tanto no plano simbólico quanto no material uma série de inter-relações entre o que o pensamento moderno separa, fragmenta, institui como definitivo e real. Explorar tais cosmovisões e buscar entendê-las não é apenas um exercício de etnografia minucioso e imprevisível, isto pode nos levar a reformular, ou pelo menos refletir sobre, nossas próprias idéias, valores e atitudes em relação ao ambiente e aos outros seres vivos; quem sabe ai estão os fundamentos de uma ética ambiental universal, que integre as diversidades de visões sobre nosso lugar e nosso papel nesse (s) mundo (s).
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