Comportamento de primatas não-humanos e comportamento humano: Entendendo semelhanças para compreender melhor as diferenças.
Por Charbel Niño El-Hani do Instituto de Biologia da UFBa
Quando tentamos compreender a natureza e origem da espécie humana, dois erros são fatais: primeiro, a idéia de uma descontinuidade completa, como se houvesse um abismo entre nossa espécie e os demais animais. O pensamento evolutivo é a base de todo o conhecimento biológico, a tal ponto que alguém que não pensa evolutivamente ou não aceita a evolução não tem como dizer que conhece biologia ou pensa biologicamente. Entre as teorias da evolução propostas ao longo da história da biologia, as teorias darwinistas são as que têm gozado de maior aceitação entre os cientistas desde a metade do século XIX. De uma perspectiva evolucionista, as espécies estão relacionadas por laços de parentesco ao longo da história da vida na Terra e uma parte significativa de suas características – mas não todas – são produtos de processos graduais de transformação. Assim, não há por que esperarmos que não existam importantes semelhanças – e, logo, continuidades – entre nossas características e as de nossos parentes mais próximos, em particular, chimpanzés, bonobos, gorilas e orangutangos. Não há também fundamentos, sejam teóricos ou empíricos, para sustentar que nossas características tenham surgido de uma só tacada em nossa espécie, Homo sapiens. A maioria da evolução das características que consideramos mais próprias de nossa espécie ocorreu, na verdade, em espécies anteriores à nossa e ao longo de milhões de anos. Parte da aparente descontinuidade que as pessoas imaginam ver entre nossa espécie e os outros animais resulta de não termos espécies de nosso mesmo gênero convivendo conosco, nem espécies de outros gêneros que fizeram parte da história de nosso clado, como os Australopithecus, Kenyanthropus, Paranthropus, Ardipithecus, Sahelanthropus, entre outros. Um segundo erro, contudo, seria postular uma completa continuidade entre nossa espécie e as demais espécies. Como qualquer espécie de animal, nós temos características que nos são próprias, entre elas, uma evidente diferença no grau em que exibimos características como a comunicação simbólica e a produção de cultura (a ponto de podermos dizer que produzimos uma hipercultura). Parece-me, assim, essencial construirmos uma visão da evolução da espécie humana que combine continuidade e descontinuidade, elucidando como mudanças contínuas, graduais em características de nossos ancestrais resultaram na emergência de novidades qualitativas em nossa espécie, ou seja, mudanças em nossas características que chegaram a alterar nosso modo de evolução. Afinal, é largamente reconhecido que nossa espécie tem se transformado principalmente por um processo de evolução cultural, pelo menos desde a invenção da agricultura. Para construir este retrato mais adequado da evolução humana, devemos deixar de lado a eleição de características que supostamente nos separariam dos demais animais, mas que não sobrevivem a um escrutínio mais cuidadoso do que sabemos sobre eles. Houve época em que se pensava que nós éramos o único animal que produzia ferramentas. Nós não somos. Já se pensou que nós éramos os únicos animais que exibiam comportamento social complexo. Nós também não somos. Ainda hoje, há autores que sustentam que somente nós exibimos comunicação simbólica. Há evidências convincentes de que este não é o caso e as características de nossa linguagem que a diferenciam da linguagem de outros animais dizem respeito mais a questões de grau do que de gênero. É fundamental entender nossas semelhanças para que possamos compreender nossas diferenças em relação a outros animais. Somente assim poderemos construir não somente uma compreensão mais apropriada de nossa natureza, mas também da história evolutiva contingente que resultou em nossa espécie. Exploraremos nessa conversa várias semelhanças que exibimos com outros animais, em particular, com os chimpanzés, mas também mencionando bonobos, gorilas e orangutangos. Veremos como chimpanzés têm sido produtores de ferramentas desde pelo menos 4.300 anos atrás, como eles caçam grandes mamíferos cooperativamente e com divisão de trabalho, como eles se reconhecem no espelho (um teste para desenvolvimento normal da consciência em crianças humanas), como eles lançam campanhas de guerra contra comunidades vizinhas (e exibem, assim, uma triste característica em que nós somos pródigos, matar nossos co-específicos), apresentam comunicação referencial e funcional (possivelmente, simbólica) e são, como nós, animais produtores de cultura.
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