Saturday, May 30, 2009

Resumo Evento - 8 de junho de 2009

O QUE É CIÊNCIA E O QUE NÃO É CIÊNCIA?
Charbel Niño El-Hani
(Instituto de Biologia/UFBA)


Nos dias de hoje, para convencer às pessoas que o que estamos afirmando é “científico”, parece bastar que digamos que a afirmação é “científica” ou que nos digamos “cientistas”, citando algum catálogo que supostamente diria quem é quem na ciência. Mas esta é uma maneira adequada de pensar a ciência? Nesta conversa, discutiremos critérios para distinguir o que é e o que não é ciência, ou seja, enfrentaremos o problema da demarcação, conforme formulado pelo filósofo Karl Popper, sob influência direta de outro filósofo, Immanuel Kant. Ao discutir esse tema, o problema é freqüentemente formulado em termos da distinção entre ciência e pseudociência. Nesta conversa, contudo, desdobraremos o problema da demarcação em dois problemas distintos: a distinção entre ciência e pseudociência, de um lado, e a distinção entre ciência e não ciência, de outro. Para Popper, o que diferenciaria uma afirmação científica de uma afirmação não científica seria a possibilidade de sua falsificação, ou seja, sua testabilidade. Podemos questionar, contudo, se este critério não seria amplo demais, incluindo afirmações que não têm sido consideradas científicas há um longo tempo. Outro filósofo da ciência, Thomas Kuhn, considerava científicos campos do conhecimento que trabalham à luz de um paradigma, ou seja, de uma estrutura de conhecimento que orienta a investigação de toda uma comunidade de pesquisadores, desde a proposição de questões legítimas de pesquisa até a produção e interpretação da evidência. É possível colocar, no entanto, uma dificuldade também para o critério de Kuhn: o que dizer de áreas que são tipicamente reconhecidas como científicas, como as ciências sociais, mas abrigam em sua pesquisa uma diversidade de paradigmas? Imre Lakatos, por sua vez, construiu uma filosofia da ciência na qual o critério para afirmar que um programa de pesquisa é científico é o seu progresso, tanto em termos teóricos – na forma de previsões novas sobre o mundo –, quanto em termos empíricos, quando ao menos algumas destas previsões são apoiadas por evidências. Mas também há um problema com o critério de Lakatos: ele só pode ser usado retrospectivamente, uma vez que o progresso tenha ocorrido. Se precisarmos julgar no presente se uma determinada área do conhecimento é científica, o critério de Lakatos não nos ajuda, na medida em que o progresso desta área poderia ocorrer no futuro. Um outro filósofo da ciência, Paul afirma que uma teoria ou disciplina que pretende ser científica é pseudocientífica se for (1) menos progressiva do que teorias alternativas por longo período de tempo; (2) enfrenta muitos problemas não-resolvidos, que têm se acumulado; (3) há teorias alternativas que explicam melhor os fenômenos do que ela; (4) a comunidade de defensores da teoria faz poucas tentativas de desenvolvê-la visando à solução dos problemas, não mostra preocupação de avaliar a teoria em relação a outras, e é seletiva ao considerar evidências contrárias e favoráveis; (5) teorias pseudocientíficas são freqüentemente muito complicadas e repletas de hipóteses não-testáveis; (6) pseudociências usam tipicamente ‘raciocínio baseado em semelhanças’, ou seja, modelos analógicos superficiais. Considero que a proposta de Thagard faz avanços interessantes, constituindo uma resposta filosófica ao problema da demarcação que apresenta uma série de aspectos convincentes. Ele também enfrenta, contudo, alguns problemas. Ela sofre da dificuldade indicada acima, no caso da teoria de Lakatos, porque não temos como julgar um possível progresso futuro da teoria. Além disso, como o juízo sobre o caráter cientifico depende de comparação com teoria alternativa, se não houver teoria alternativa, não será possível emitir tal juízo. Um problema apontado por alguns autores é de que, se utilizamos os critérios de Thagard, ser científica não é propriedade imutável de uma teoria. Uma teoria que foi científica no passado pode não ser científica hoje e uma teoria científica de hoje pode deixar de ser científica no futuro. Contudo, consideramos que este é um resultado absolutamente natural e justificado, se a demarcação entre ciência e não ciência for de natureza social e histórica. Desse modo, chego à tese mais central que pretendo defender: que não há solução puramente lógica para a demarcação da ciência, de modo que alguma propriedade das proposições pudesse definir, por juízo inteiramente racional, se elas são cientificas ou não. Isso não quer dizer que critérios de natureza lógica não desempenhem o papel de valores que orientam os juízos sobre o que é e o que não é ciência. Minha visão, contudo, é que a ciência deve ser diferenciada também, e sobretudo, como uma instituição social, mantida pela comunidade científica, que tem construído desde meados do século XIX uma certa forma de discurso sobre o mundo, com propósito de explicar o mundo dos fenômenos naturais. Este é um discurso naturalista que, conforme argumentarei, possibilitou a independência da ciência como modo de produção do conhecimento, em relação a outras formas de conhecimento, em particular, a teologia judaico-cristã. Uma maneira de distinguir se um campo do conhecimento é científico ou não é verificar como a comunidade científica se relaciona com ele, se ela dialoga com trabalhos deste campo e, caso dialogue, quais são os juízos que a comunidade científica emite sobre eles. Não nos parece estranho que uma comunidade de cientistas defina o que é ou não pertinente ao tipo de conhecimento construído por ela, o conhecimento científico. Isso é da natureza de todo conhecimento socialmente constituído, ou seja, de todo conhecimento intersubjetivo humano.

Leitura Recomendada

Chalmers, A. F. O Que é Ciência Afinal? São Paulo: Brasiliense, 1993.
Chalmers. A. F. A Fabricação da Ciência. São Paulo: UNESP, 1994.
Cobern, W. W. & Loving, C. C. Defining “science” in a multicultural world: Implications for science education. Science Education 85:50-67, 2001.
Curd, M. & Cover, J. A. Philosophy of Science: The Central Issues. New York: W. W. Norton & Co, 1998.
Kuhn, T. S. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 2003.
Popper, K. R. A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Cultrix, 2000.
Lakatos, I. Falsificação e Metodologia dos Programas de Investigação Científica. Lisboa: Edições 70, 1999.
Mahner, M. & Bunge, M. Is religious education compatible with science education? Science & Education 5: 91-99, 1996.
Thagard, P. Why astrology is a pseudoscience (Por que a astrologia é uma pseudociência), in: Curd, M. & Cover, J. A. Philosophy of Science: The Central Issues. New York: W. W. Norton & Co. pp. 27-37, 1998.
Thagard, P. Computational Philosophy of Science. Cambridge, MA: MIT Press, 1993.

Wednesday, May 06, 2009

Resumo Apresentação 11/05/2009

Origem e Evolução dos Elementos Químicos: Big-Bang, Estrelas e Supernovas.

por Débora Correia Rios (Instituto de Geociências, UFBA)

A composição química da Terra é única, sendo produto de uma série de processos. Estão incluídos aí os processos responsáveis pela criação dos elementos químicos, do Sistema Solar e da própria Terra.
Poderíamos simplesmente considerar que os elementos existem, mas intelectualmente isto não é o bastante. A origem dos elementos é uma questão tanto astronômica quanto geoquímica. Os questionamentos relacionados à origem e evolução dos elementos químicos são foco da cosmoquímica, cujo objetivo é entender a distribuição e abundância dos elementos no Sistema Solar e secundariamente no Universo.
Cosmoquímica é como geologia. Enquanto olhamos para as rochas mais antigas buscando informações sobre a origem do planeta, buscam-se nas estrelas mais velhas os primeiros registros de formação dos elementos químicos. A origem dos elementos químicos está intimamente relacionada à evolução estelar, porque os elementos são sintetizados pelas reações nucleares das quais as estrelas derivam a energia que irradiam no espaço. Este conjunto de processos é conhecido como nucleossíntese.
O Universo começou a cerca de 10-20 Ga atrás com o Big Bang, ou seja, uma explosão inicial que ocorreu no princípio de tudo, quando toda a matéria e energia existente hoje estavam concentradas em um único ponto. Supõe-se que esta explosão tenha convertido energia em matéria.
A primeira das etapas de nucleossíntese é, portanto conhecida como nucleossíntese cosmológica, ou, nucleossíntese no Big Bang, e ocorreu logo depois do início do Universo, sendo responsável pelo inventário cósmico do H e He, e talvez de algum Li. Considera-se que desde o Big Bang o Universo tem estado expandindo, resfriando e evoluindo, e com isto, os nêutrons se combinaram para formar partículas que se tornaram organizadas em núcleos de H e He. A formação de núcleos atômicos mais pesados é inibida neste processo devido à instabilidade dos núcleos de massas 5 e 8. Com o resfriamento, a temperatura caiu e as reações nucleares não foram mais possíveis nesta forma.
Algum tempo após o Big Bang o universo era um gás quente, mais ou menos homogêneo. Inevitavelmente desenvolveram-se heterogeneidades no gás, que provocaram um processo de atração e colapso gravitacional. Cerca de 0,5 Ga após o Big Bang, formaram-se as proto-galáxias, as quais colapsaram gerando as estrelas... Inicia-se o processo conhecido como Nucleossíntese Estelar. Todas as estrelas da seqüência principal geram energia por reações de fusão do H, que resulta na síntese do He, seja pelo canal p-p ou pelo ciclo CNO.
No canal p-p a reação predominante continua sendo a produção de He pela queima do H. Outras reações em cadeia podem produzir He, envolvendo Li, Be e B, seja como combustível primário, ou como produtos intermediários da reação.
Uma vez que a primeira geração de estrelas entrou no ciclo evolucionário e explodiram, as nuvens de gás interestelar continham elementos de números atômicos mais altos. A presença do carbono-12, sintetizado pelas estrelas ancestrais, fez mais fácil às gerações subseqüentes de estrelas gerarem energia pela fusão do H. Assim, estrelas de geração subseqüente e massa superior a 1,1 a massa solar, produziram He pela cadeia CNO onde o C age como um catalisador nuclear, não sendo produzido nem consumido. A partir daí as reações prosseguem dependendo basicamente da massa e temperatura da estrela, e gerando elementos mais pesados até o Ferro. A fusão do Ferro não produz energia.
Adicionalmente, precisamos lembrar que, exceto pelo 7Li no Big Bang, Li, Be e B não são produzidos em qualquer outra situação. Uma idéia para a formação destes elementos é sua abundância nos raios cósmicos: eles são cerca de 106x mais abundantes nos raios cósmicos que no sistema Solar. Acredita-se que eles sejam formados pela interação dos raios cósmicos com poeira e gás interestrelar, em reações que só ocorrem ocorrem a altas energias (maiores que no Big-Bang ou no interior das estrelas), mais a baixas temperaturas, onde poderiam sobreviver. O processo é conhecido como Nucleossíntese Galáctica.
Então e os elementos mais pesados? O 56Fe tem a maior energia de ligação por núcleo, isto é, ele representa o mais estável dos núcleos. Isto implica que a fusão só libera energia até a massa 56. Acima da massa 56, as reações se tornam endotérmicas, isto é, elas consomem energia. Assim que o núcleo estelar se converte para Fe, uma fase crítica é alcançada: o balanço entre a expansão termal e o colapso gravitacional é quebrado e este estágio leva à morte catastrófica da estrela.
A morte catastrófica da estrela pode gerar uma explosão supernova, em estrelas com massas de mais de 8x a massa solar. Supernovas são eventos extremamente energéticos. Assim, o que levou milhões de anos para ser construído, é destruído em um segundo. Contudo a fotodesintegração produz um grande número de nêutrons e prótons livres, que levam a importantes processos de nucleossíntese chamados Nucleossíntese Explosiva, dando origem a todos os núcleos mais pesados que o Fe.


Leitura Recomendada

FAURE, G., 1998. Principles and applications of inorganic geochemistry. Prentice Hall Ed., New Jersey., 2a. Ed., 600p.
GILL, R., 1996. Chemical fundamentals of geology. Chapman & Hall Ed., London, 2a. Ed., 290p.
WHITE, W.M., 2003. Geochemistry. On-line books. Cornell Univ., 700p.
WILSON, T., TOLEDO, M.C.M., FAIRCHILD, T.R., TAIOLI, F., 2000. Decifrando a Terra. Ed. Oficina de Textos, São Paulo, Brasil. 568p.
Próximo Café 11 de maio de 2009 – 18:30 horas

Origem e Evolução dos Elementos Químicos: Big-Bang, Estrelas e Supernovas

por Débora Correia Rios (Instituto de Geociências, UFBA)
Resumo Apresentação 13/04/2009

Terrorismo imobiliário em Salvador

por Ordep Serra (Depto. de Antropologia, UFBA), Débora Nunes (UNIFACS) e Rogério Horlle

A partir do exame de um caso exemplar (a expulsão sistemática, por meio de violência e constrangimento, de moradores de uma área de Mussurunga para a implantação de um empreendimento imobiliário ilegal), pretende-se examinar implicações da urbanização desigual em um processo que acentua a vulnerabilidade de grandes segmentos da população de Salvador e promove distorções no campo do planejamento, afetando o estado de direito e comprometendo a qualidade de vida na metrópole; também se deseja discutir o impasse metropolitano de Salvador, por carência de macro-planejamento; a pertinência do diagnóstico de uma situação de terror vivenciada por muitos nesta capital; e o absenteísmo de uma grande parcela da sociedade civil em face disso. Dar-se-á ênfase à discussão de mecanismos para-legais de gestão e empreendimento nesta urbe e da pertinência de uma “sociologia do terror” que metrópoles brasileiras estão requerendo para a compreensão de aspectos de sua configuração atual.

Leitura Recomendada:

KOWARIC, L. A espoliação urbana. São Paulo: Paz e Terra, 1993.
KOWARIC, L. (org). As lutas sociais e a cidade. São Paulo: Paz e Terra, 1988.
NUNES, M.; PAIM, J. S. “Um estudo etno-epidemiológico da violência urbana na Cidade de Salvador, Bahia, Brasil: os atos de extermínio como objeto de análise”. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro 21(2) 459-468, mar-abr, 2005
OLIVEN, R. G. Urbanização e mudança social no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1982.
SANTOS, M. Ensaios sobre a urbanização latino-americana. São Paulo, HUCITEC, 1982.
SANTOS, M. A urbanização desigual. Petrópolis: Vozes, 1980
SERRA, O. Terrorismo imobiliário. http://ordepserra.wordpress.com/