Monday, June 07, 2010

Resumo Café - 14/06/2010

Lévi-Strauss, o Brasil e a Etnologia Indígena

Edwin Reesink (CCH, UFPE) e Maria Rosário de Carvalho (FFCH, UFBA)

“O Brasil representa a experiência mais importante da minha vida, ao mesmo tempo pela distância e pelo contraste, mas também porque determinou minha carreira” (Folha de São Paulo, 22 de fev. de 2005: p. A14). Esta afirmação de Lévi-Strauss foi feita por ocasião do ano França - Brasil, mas afirmações sobre a sua “dívida muito profunda” com o país apareceram a cada vez que ele foi perguntado sobre esse período da sua vida e as conseqüências para sua carreira como antropólogo. Realmente, do seu livro mais conhecido – Tristes Tropiques – se depreende, facilmente, como a sociedade brasileira da época o impressionou e o conduziu a estudos de colonização e urbanização. Mas, é claro, o que de fato é lembrado e marcou a sua trajetória antropológica foram as expedições a povos indígenas no interior. Após testemunhar a situação de penúria dos Kaingang, que sofriam com a dominação por parte da sociedade nacional, seguiram-se pesquisas entre os Kadiweu e os Bororo. Os primeiros o impressionaram pelos desenhos corporais, os segundos por seus elaboradíssimos sistemas social e ritual. A publicação do material Bororo na França, a exposição dos objetos e os filmes produzidos facilitaram o acesso aos americanistas proeminentes da França e o tornaram mais conhecido. Ademais, possibilitaram o financiamento da expedição aos Nambikwara. Se o Brasil foi fundamental para a carreira do antropólogo iniciante, esta experiência foi o ápice e o cerne da iniciação.
Lévi-Strauss sempre considerou que sua passagem pelos cerrados da Chapada dos Paresis teve o peso de um “trabalho de campo” que o credenciou suficientemente, em termos antropológicos. De fato, ele trabalhou muito, teve uma grande empatia com os índios e chegou a afirmar se tratar da sociedade mais interessante que havia encontrado. Não é por acaso que nos primeiros artigos por ele publicados, decorrentes da sua expedição ao Brasil e aos Estados Unidos, durante a II Grande Guerra, os Nambikwara e os outros povos indígenas constituem a sua grande inspiração. Os temas aí tratados são inovadores por que tratam de terminologias de parentesco e afinidade, aliança, reciprocidade e hierarquia, e das relações dos grupos locais com o exterior. Se a primeira grande obra, Estruturas Elementares do Parentesco, pouco se ocupa das culturas indígenas, por falta de dados, em diversos momentos dos anos 1950 os povos indígenas aparecem: não são nem “arcaicos”, nem “simples”, e as aparências da sua organização social podem enganar, exibindo um dualismo dinâmico. Se estes artigos inspiraram pesquisas etnográficas, é com as Mitológicas, na década de 1960, que a etnologia indígena ocupa, pela primeira vez, o centro das atenções na antropologia mundial. Não é fortuito que esta mega-análise das qualidades concretas que revelam estruturas complexas do pensamento começa com um mito Bororo. A partir de então, a etnologia indígena toma, realmente, um impulso etnográfico e realiza um vôo teórico que redundarão no estado da arte atual, com um grau de conhecimento etnográfico e uma sofisticação teórica extremamente devedores às etnografias, intuições, inspirações e preocupações de Lévi-Strauss. O que, cabe assinalar, deixou-o, ao final da sua vida, muito satisfeito.

Referências:
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Faria, Luiz de Castro
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Price, P. David
1978 “Real toads in imaginary gardens: Aspelin vs. Lévi-Strauss on Nambiquara nomadism”. In: Bijdragen tot de Taal-, Land- en Volkenkunde, vol. 134, nr.1.
1991 “Nambiquara Nomadism: A Final Note”. In: Bijdragen tot de Taal-, Land- en Volkenkunde, vol. 147, nr.1.

Reesink, Edwin
2008 “Lévi-Strauss e os Trópicos dos Nambikwara”. In: Revista Portuguesa da História do Livro, Ano XI (2007), No. 22.

Souza, Marcela Coelho de e C.Fausto
2004 “Reconquistando o campo perdido: o que Lévi-Strauss deve aos ameríndios”. In: Revista de Antropologia, vol. 47 no.1.

Viveiros de Castro, E.
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2009 “Claude Lévi-Strauss”. Entrevista de Viveiros de Castro. In: Estudos Avançados vol.23 no.67.